A Delegacia de Proteção à Criança, ao Adolescente, à Mulher
e ao Idoso (DPCAMI) de Criciúma concluiu inquérito policial instaurado em
novembro de 2020, quando algumas mulheres vítimas de violência sexual
resolveram romper o silêncio e procurar a Polícia.
Foram registrados boletins de ocorrência virtuais,
seguindo-se a instauração de inquérito. Foram colhidos diversos depoimentos,
das vítimas e de testemunhas, realizada prova pericial, apreensão de aparelho
celular, entre outras medidas.
Apurou-se que o investigado era pastor de igreja evangélica
com denominação própria, a qual funcionou nos Municípios de Balneário Rincão,
Forquilhinha e Criciúma, contando ainda com encontros religiosos realizados em
outras cidades e regiões do Estado.
De acordo com a investigação, o indiciado era tido como
profeta e operador de milagres, bem como dotado de dons mediúnicos,
incorporando os anjos dos fiéis. Eram realizadas cerimônias e rituais, fora da
igreja, nas casas dos seguidores ou em áreas de mata, em que havia sessões
individuais de atendimento do pastor aos seguidores homens e mulheres. Eram
nessas sessões que os fiéis acreditavam conversar com o anjo de cada um,
supostamente incorporado no pastor.
O investigado realizava demonstrações de supostos milagres e
exercia forte domínio sobre os fiéis, convencendo-os da existência e da
incorporação dos anjos. Segundo o delegado Fernando Guzzi, as provas colhidas
demonstram que os seguidores do indiciado foram ludibriados de tal modo que
efetivamente acreditavam que tratavam com o seu anjo, e não com o pastor. Havia
inclusive alteração da voz e das feições faciais, além de um elaborado
estratagema para convencimento dos fiéis, envolvendo desde atos de demonstração
de poderes sobrenaturais a “adivinhações” sobre segredos das vítimas.
Apurou-se que algumas fiéis mulheres, muitas em situação de
desespero por problemas de saúde, familiares, financeiros etc., foram
convencidas pelo indiciado que, para obterem a cura física e espiritual
almejada, deveriam consentir com práticas sexuais.
Embora a possibilidade de haver outras vítimas, três
mulheres resolveram procurar a Polícia e concordaram em depor sobre os fatos.
Em relação a elas, foi comprovado um total de quinze atos de violação sexual
mediante fraude, crime apenado com até seis anos de reclusão e multa (cada um)
e que ocorre quando a vítima é enganada, mediante fraude, a consentir com a
prática sexual. Não é qualquer fraude ou engodo que configuram o delito,
explica o delegado, mas apenas em casos em que a vítima tem sua manifestação de
vontade totalmente viciada pela fraude do autor. No caso, o autor se valeu de
momentos de extrema fragilidade e vulnerabilidade das vítimas, bem como de sua
forte crença religiosa e confiança no guia espiritual, contando com elaborado
plano para conseguir seus intentos.
Além das três mulheres vítimas de violação mediante fraude,
a investigação identificou ainda outras duas fiéis, que não concordaram em
praticar relações sexuais com o suspeito. Porém, nas sessões individuais, sem a
autorização das vítimas, ele praticou atos libidinosos contra elas, sem o
emprego de violência ou grave ameaça. Foi indiciado então por mais dois crimes
de importunação sexual, com pena de até cinco anos de reclusão cada.
Por fim, uma vítima ainda teve fatos íntimos divulgados pelo
autor, havendo a prática ainda de crime contra a honra apenado com até quatro
anos de reclusão e multa.
As vítimas possuem entre 28 a 56 anos. O indiciado tem 43
anos e respondeu ao inquérito em liberdade.
Os fatos ocorreram entre os anos de 2018 e 2020. O delegado
esclarece que o indiciado não mais trabalha como pastor atendeu às intimações
policiais, comparecendo com seu advogado, e mantém atualizado o endereço
perante a Polícia Civil. Por tais motivos, aliado ao fato de os crimes terem
ocorrido até cerca de um ano antes do início da revelação do caso à Polícia, a
lei não autoriza a prisão preventiva.
A DPCAMI enfatiza o respeito dos profissionais de segurança
pública a todas as religiões e reconhece a importância dos líderes religiosos
para a sociedade, tratando-se o presente caso de exceção. A investigação se
pautou pelo respeito à liberdade religiosa e se alertam possíveis vítimas (de
todas as religiões ou práticas de fé) a procurarem a Polícia Civil e romperem o
silêncio, para que os crimes sejam apurados e seja combatida essa prática que
infelizmente está em evidência no Brasil.